segunda-feira, 9 de abril de 2012

Mazelas de Menina


Viver era-lhe insípido, tentara empunhar a si mesma ao trágico fim que para então se fazia unicamente solução. Inserida em um vestido finalizado na medida dos joelhos, bege, de seda, elencado por pobres rendas periféricas e alguns buracos indesejados; a boca apresentando-se com erosões labiais que o vento construira nos últimos dias. Seios belos e livres sob a veste. Estava descalça pisando sobre as pedras camonianas e o abismo à frente mantinha o convite. As pedras que a acolheram em melhor época de sua vida, estudos e livros, faziam o mesmo na pior. Havia sido rodeada de falastrões – mãe, companheiro, irmão. Eis a semente: não ofereceu flores, apenas espinhos, com exceção do profundo convidativo em que estava à mercê, escolhido por ela mesma. Ventava, ventava em uma fúria calmante. Não havia frio, não climático, e a leve brisa apenas a estimulava. A morte representava-lhe o alcácer.  Rosália era de uma cor celeste diária de abril em presença do sol. Coração puro e olhar perdido. Era início da manhã e da concretização de um desejo que crescera: Rosária matar-se-ia. Cansou das tantas vozes. Estava parada, em meio a sua confusão e aparentemente decidida. Arrostava a situação em sua mente, as memórias reboavam: suas leituras, tão abstratas e a única verdade. Queria se matar, Rosália. Unhas descuidadas, o cabelo longo de um castanho acinzentado e os olhos, estes sim, gritavam por sentido – qual se projetava naquele voo planejado, construído. Como uma águia, rumo ao mar. Jogar-se-ia, decididamente. As diversas literaturas pintalgavam seu pensamento inconcluso. Rosália desensarilhou o que levaria no pulo: o melhor lido. E o resto ficaria nas pedras e ao mundo.
 Berço das dores, algo copioso.
             Quis diferença, não teve, quis diferente.
        Seu conhecimento basco, estudos de latim, literariedades longínquas. Recordou-se do aroma do marido, enquanto agradou-se em acariciar suas junturas com a língua, a mesma que sabia ainda francês. Seus olhos de anil traziam a moléstia crucial: sintomas de antivida.
            Estática, postada ao final do pisável e com o olhar suicida, tomaria sua atitude. Poderia realizar inúmeras leituras. Com a mente em liça, Rosália fita o mar sem fim.

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