sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Ensaio sobre o silêncio

No anseio de se ter algo para dizer, substitui-se a beleza sincera do silêncio pelo brilho confuso de falas aleatórias, e, na ausência de afinidade com o silêncio interior, busca-se a tranquilidade que não existe na turbulência dos ruídos da vida diária. “Silêncio”: substantivo masculino para “interrupção de ruído, calada”, “estado de quem se cala”. O receio que se tem daquele que pouco fala é o retrato do medo de quem pouco pensa (sobre o silêncio) e este que pouco pensa tem mais receio ainda de si mesmo do que de outrem, propriamente. É receoso consigo próprio e com seu silêncio aquele que tem medo de ouvir a própria voz. E mais que ouvir a própria voz, ele tem medo de entendê-la e ter que decodificar o que o seu eu, afinal de contas, tanto tem a dizer dele mesmo – precisaria refletir sobre si, consigo. Logo, e pior ainda, receia sumariamente que a voz que ouve sobre si possa ser imitada por gente de fora; pelas pessoas que não são ele. Eis o medo de ser quem se é por ter que sê-lo perante qualquer sujeito que não si mesmo; esquivando-se, pois, de se calar perante o seu eu. Então o barulho, o medo do silêncio interior e alheio podem ser considerados questão de complexo individual e também social. Mas voltemos ao silêncio: foge-se dele por ser extremamente necessário; e na falsa percepção de que ruídos resolvem silêncios mal-resolvidos, o sujeito se torna caim de si próprio. Calar a voz interior é calar sua tentativa de existência; a existência do eu para mim, do si para si sem plateia. Não à toa entendemos que o verbo “calar” surgira apenas em 1552. Em adendo à questão histórico-social da língua, migremos para o cunho filosófico a respondamos, em silêncio ou ruídos: se o adjetivo “silencioso” surgiu em 1813 e o verbo “silenciar”, profundo e deveras significante, apenas em 1844, podemos entender que foi no silêncio em plena prática que se aprendeu a silenciar? O que ouve quem ouve o que ouve no silêncio do próprio ser pelas ondas sonoras da própria existência?