Do ponto de vista da águia, o coelho pouco merece o pensar
dela. Por medo ou por coragem, que também é manifestação do medo, o coelho
pensa bastante sobre a águia. Do prisma do rato jantado, a cobra foi o
apocalipse, mas para a cobra o rato foi o fim do caos, o caos da fome. Pensando
por quem tem fome na miséria, pensa-se no que se vai comer. Se a fome vem na
fartura, pensa-se sobretudo acerca do que não é suficientemente bom para
alimentar. Do ângulo do cristão fanático, o ateu é burro; e para o burro ateu,
burro é o fanático. E o burro, real e nem tão animalesco, leva quem for pra lá
e pra cá sem ofender ninguém. Deus lá do alto diz “O Reino é meu!” e o Diabo lá
risonho responde “A vida é minha!”. O time perdedor é ganhador do pretexto da
expressão; para o time que perde quem ganha nunca tem muito o que falar. Ganhar
é perder? Na visão da mãe o bebê saiu, na visão do bebê ele mesmo saiu, mas
para o mundo o bebê entrou, e um dia vai ter que sair. Quando é que as saídas
parecem entradas e nós, eternos bebês, nos confundimos? Do ponto de vista da
orelha que ouve o sussurro do gemido alheio, a outra orelha pode apenas
imaginar o que foi que a adversária amiga ouviu. E quem vive o que vive vai
estar sempre do mesmo lado: o lado próprio do qual não se desvincula. A perspectiva
pode ser dupla, bifurcada, dicotômica, com dois gumes: mas cada um dos gumes é
um prisma completo em si só. Então ou se está aqui ou acolá; não adianta
fingir. No mundo das inferências, impressões e pontos de vista, quem escolhe um
sempre escolhe a si próprio – mesmo que a sua opção seja a não escolha. Mente
para si quem mente uma visão, esta que jamais mente acerca de si embora na mais
profunda raiz da árvore que não é nada senão a gente. A gente que viu, pensou,
ancorou a visão numa definição de crença construída pela linguagem, e daí não
tem como fugir. Do lado da águia ou do lado de Deus, ou de ambos, o prisma é a
fome ou o caos ou o júbilo; tudo vai e tudo fica.
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