No anseio de se ter algo para dizer,
substitui-se a beleza sincera do silêncio pelo brilho confuso de
falas aleatórias, e, na ausência de afinidade com o silêncio
interior, busca-se a tranquilidade que não existe na turbulência
dos ruídos da vida diária. “Silêncio”: substantivo masculino
para “interrupção de ruído, calada”, “estado de quem se
cala”. O receio que se tem daquele que pouco fala é o retrato do
medo de quem pouco pensa (sobre o silêncio) e este que pouco pensa
tem mais receio ainda de si mesmo do que de outrem, propriamente. É
receoso consigo próprio e com seu silêncio aquele que tem medo de
ouvir a própria voz. E mais que ouvir a própria voz, ele tem medo
de entendê-la e ter que decodificar o que o seu eu, afinal de
contas, tanto tem a dizer dele mesmo – precisaria refletir sobre
si, consigo. Logo, e pior ainda, receia sumariamente que a voz que
ouve sobre si possa ser imitada por gente de fora; pelas pessoas que
não são ele. Eis o medo de ser quem se é por ter que sê-lo
perante qualquer sujeito que não si mesmo; esquivando-se, pois, de
se calar perante o seu eu. Então o barulho, o medo do silêncio
interior e alheio podem ser considerados questão de complexo
individual e também social. Mas voltemos ao silêncio: foge-se dele
por ser extremamente necessário; e na falsa percepção de que
ruídos resolvem silêncios mal-resolvidos, o sujeito se torna caim
de si próprio. Calar a voz interior é calar sua tentativa de
existência; a existência do eu para mim, do si para si sem plateia.
Não à toa entendemos que o verbo “calar” surgira apenas em
1552. Em adendo à questão histórico-social da língua, migremos
para o cunho filosófico a respondamos, em silêncio ou ruídos: se o
adjetivo “silencioso” surgiu em 1813 e o verbo “silenciar”,
profundo e deveras significante, apenas em 1844, podemos entender que
foi no silêncio em plena prática que se aprendeu a silenciar? O que
ouve quem ouve o que ouve no silêncio do próprio ser pelas ondas
sonoras da própria existência?